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Manda Prints: como incriminar quem vazou nudes

O coletivo feminista Think Olga, responsável por campanhas que viralizaram na internet, como “Chega de Fiu Fiu” e “Primeiro Assédio”, lançou este mês o “Manda Prints”. Isso porque a expressão “manda nudes”, um clássico das conversas apimentadas nos aplicativos de celular, já virou caso de polícia. Mulheres e garotas (às vezes muito, muito novas) veem a vida se transformar num inferno depois de terem fotos e vídeos íntimos divulgados sem autorização em grupos de Whatsapp e Facebook. Não, não é exagero: a imprensa já trouxe à tona diversos casos de violência online que culminaram em suicídio.

Tanto quem “vaza” quanto quem compartilha imagina que é impossível ser identificado – muito menos punido. Para provar que isso não passa de um mito, o “Manda Prints” incentiva as vítimas a “salvar” os abusos e enviar para a polícia. Nesta entrevista a advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital, explica como essa atitude pode mover uma ação judicial contra os responsáveis e até levá-los à cadeia.

– Dá pra gente dizer que aquela expressão “internet é terra de ninguém” é um clichê equivocado? Ou seja, evoluímos no sentido de identificar e punir criminosos digitais?

GISELE – Sim. A internet NÃO é uma terra sem leis. Cerca de 95% dos crimes praticados através dos meios eletrônicos são tipificados no Código Penal. É possível sim identificar e punir quem pratica um crime eletrônico. Pode ser mais difícil, caso o sujeito se utilize de algumas técnicas, mas com a legislação atual e com perícia adequada é perfeitamente possível rastrear, identificar e punir aqueles que praticam crimes eletrônicos.

– Cada computador tem um registro (uma espécie de RG) e deixa rastros enquanto navega na internet – portanto é mais fácil investigar a origem de ameças e violências. Mas como isso funciona nos aplicativos de mensagens como o Whatsapp? Resta-nos aceitar a impunidade?

GISELE – De forma alguma. Qualquer aplicativo utilizado via celular também possibilita o rastreamento porque o usuário precisa fornecer o número do celular, alguns dados pessoais e e-mail. Com isso é possível descobrir a operadora de telefonia responsável e ingressar com uma ação judicial para obter os dados cadastrais do usuário. Se o dado fornecido for um email, fazemos o mesmo com o provedor e identificamos a pessoa pelos dados de conexão.

– O que pode acontecer juridicamente com uma pessoa que “vaza” fotos e vídeos íntimos de outra? Quem compartilha esse conteúdo, apenas passando-o para frente, também pode ser responsabilizado?

GISELE – Quem divulga conteúdo íntimo de terceiros sem autorização incorre no crime de difamação, definido no art. 139 do Código Penal1. Caso a pessoa que divulgue este material tenha algum vínculo afetivo com a vítima, o caso poderá ser enquadrado também na Lei Maria da Penha, que conferirá à vítima atendimento diferenciado e a possibilidade de obter uma medida restritiva contra o(a) ex-parceiro(a). Portanto, o réu poderá até ser preso. Quem compartilha o conteúdo publicado também é responsável pela difamação praticada. Pode ser considerado co-autor do delito, na esfera criminal; e na esfera cível possui responsabilidade solidária, devendo indenizar também a vítima pelos danos morais sofridos. Inclusive já há decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido.

– Como uma vítima do “revanche pornô” deve agir para que o criminoso (a exemplo de ex-namorados) seja enquadrado na lei?

GISELE – Neste vídeo dou todas as orientações:

– As delegacias são obrigadas a registrar boletim de ocorrências nesses casos? Se uma mulher estuprada passa por situações vexatórias diante de escrivães e policiais, imagino que bullying virtual seja levado como uma piada, não?

GISELE – Sim, é um crime como qualquer outro. É uma difamação, injúria, ameaça, e como tal, deve ter a ocorrência registrada. Infelizmente, sabemos que o atendimento em Delegacias (mesmo nas Delegacias de Defesa da Mulher) é conturbado. Portanto, sempre que possível, é melhor que a vítima compareça acompanhada de advogado ou de outra pessoa de sua confiança. Caso ela seja mal atendida ou passe por algum constrangimento, poderá levar o caso à corregedoria da Polícia.

– Que tipo de punições estão previstas em lei para situações como essa? Você acredita que são suficientes?

GISELE – Conforme o artigo 139 do Código Penal, a pena é de detenção dois meses a um ano, além de multa. Lembrando que caso exista vínculo afetivo do ofensor com a vítima, há enquadramento na Lei Maria da Penha, e por conta disso, o réu poderá ser preso. O que faria a diferença seria a efetividade da punição, e não o aumento ou o rigor da pena. Outro fator que também atrapalha é a interpretação que nosso Judiciário dá a alguns casos que envolvem “revenge porn”: muitas decisões acabam possuindo cunho machista, e indiretamente culpam a mulher que enviou imagens ao ex-parceiro, afirmando que ela assumiu o risco de eventual divulgação. Isso também colabora para a sensação de impunidade nesses casos.

– Alguns especialistas sugerem que não devemos enviar imagens íntimas a ninguém. Outros defendem que isso é culpar a vítima, que temos direito de compartilhar o que quisermos. Qual a sua opinião?

GISELE – Entendo que é extremamente delicado dizer “não envie”. Isso é novamente dizer à mulher qual o comportamento que ela deve ter. Culpar a vítima de revenge porn pelo seu comportamento é como culpar a vítima de estupro pela roupa que ela estava usando. A vítima não é culpada, ela é vítima. Culpado(a) é quem viola sua intimidade, fere sua imagem e divulga seu conteúdo íntimo. Esse sim merece ser julgado e condenado.

***Este post foi originalmente publicado na coluna da Nath no Yahoo.

*LEIA MAIS:

– Carta à Fran, a menina massacrada por um vídeo de celular

– “Eu também passei por isso, Fran”

– Profissão: Fiscal de Cu Alheio

– Movimento #MamiloLivre peita a desigualdade de gênero

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