Você não é igual. Desculpe.
*O texto abaixo foi escrito por Dina Leygerman e publicado originalmente em inglês aqui. Ela quis “responder” um post que viralizou nas redes sociais – nele, a autora dizia (entre outras coisas) não se sentir uma “cidadã de segunda classe” por ser mulher. As palavras de Dina me comoveram tão profundamente que decidi traduzi-las para o português. Mas descobri que Daiane Hemerich já o havia feito. Então, obrigada Dina e obrigada Daiane.
Texto: Dina Leygerman / Tradução: Daiane Hemerich
“Você não é igual. Desculpe”
Agradeça.
Agradeça. Agradeça às mulheres que te deram voz. Agradeça às mulheres que foram presas e apanharam e levaram gás pra que você tivesse voz. Agradeça às mulheres que se recusaram a ceder, que lutaram sem descanso pra te dar uma voz. Agradeça às mulheres que colocaram suas próprias vidas em espera, que – pra sua sorte – não tinham ‘coisa melhor pra fazer’ que marchar e protestar e se mobilizar pela sua voz. Pra que você não se sentisse como uma ‘cidadã de segunda classe’. Pra que você se sinta ‘igual’.
Agradeça a Susan B. Anthony e Alice Paul pelo seu direito de votar.
Agradeça a Elizabeth Stanton pelo seu direito de trabalhar.
Agradeça a Maud Wood Park pelo seu cuidado pré-natal e sua identidade fora do seu marido.
Agradeça a Rose Schneiderman pelas suas condições de trabalho humanas.
Agradeça a Eleanor Roosevelt e Molly Dewson pela sua capacidade de trabalhar na política e afetar a política.
Agradeça a Margaret Sanger pelo seu anticoncepcional legal.
Agradeça a Carol Downer pelos seus direitos à saúde reprodutiva.
Agradeça a Margaret Fuller e Sarah Jane Early pela sua educação igualitária.
Agradeça a Ruth Bader Ginsburg, Shannon Turner, Gloria Steinem, Zelda Kingoff Nordlinger, Rosa Parks, Angela Davis, Malika Saada Saar, Wagatwe Wanjuki, Ida B. Wells, Malala Yousafzai.
Agradeça a sua mãe, sua avó, sua bisavó que não tiveram metade dos direitos que você tem agora.
Você pode fazer suas próprias escolhas, falar e ser ouvida, votar, trabalhar, controlar seu corpo, se defender, defender sua família, por causa das mulheres que marcharam. Você não fez nada pra ganhar esses direitos. Você nasceu com eles. Você não fez nada, mas você colhe os benefícios de mulheres, mulheres fortes, mulheres que lutaram contra a misoginia e foram contra o patriarcado e lutaram por você. E você senta no seu pedestal, um pedestal que você tem a sorte de ter, e digita. Uma guerreira do teclado. Uma guerreira por complacência. Uma aceitadora do que lhe foi dado. Uma negadora de fatos. Envolvida na sua ilusão de igualdade.
Você não é igual. Mesmo se você sente que é. Você ainda ganha menos que um homem pra fazer o mesmo trabalho. Você ganha menos como uma Diretora Executiva, como uma atleta, como uma atriz, como uma doutora. Você ganha menos no governo, na indústria de tecnologia, na saúde.
Você ainda não tem direitos completos sobre seu corpo. Homens estão ainda debatendo a respeito do seu útero. A respeito do seu cuidado pré-natal. A respeito das suas escolhas.
Você ainda tem que pagar impostos por direitos sanitários básicos.
Você ainda tem que carregar um bastão quando caminha sozinha à noite. Você ainda tem que provar ao tribunal porquê você estava bêbada na noite em que foi estuprada. Você ainda tem que justificar seu comportamento quando um homem usa a força com você.
Você ainda não tem licença maternidade paga (ou mesmo não paga). Você ainda tem que voltar pro trabalho enquanto seu corpo está quebrado. Enquanto você sofre silenciosamente de depressão pós-parto.
Você ainda tem que lutar pra amamentar em público. Você ainda tem que provar pra outras mulheres que é seu direito fazer isso. Você ainda ofende outras pessoas com seus seios.
Você ainda é objetificada. Você ainda leva cantadas na rua. Você ainda é sexualizada. Você ainda ouve que é muito magra ou muito gorda. Você ainda ouve que é muito velha ou muito nova. Você é aplaudida quando “envelhece graciosamente”. Você ainda ouve que homens envelhecem “melhor”. Você ouve que deve se vestir como uma dama. Você ainda é julgada pelas suas roupas ao invés de pelo que está na sua cabeça. A marca da sua bolsa ainda importa mais que seu grau de estudo.
Você ainda é abusada por seu marido, pelo seu namorado. Você ainda é assassinada pelos seus parceiros. Apanha de sua alma-gêmea.
Você sofre ainda mais se for uma mulher de cor, uma mulher gay, uma mulher transgênero. Você ainda é assediada, depreciada, desumanizada.
Suas filhas ainda ouvem que elas são bonitas antes de ouvirem que são espertas. Suas filhas ainda ouvem que devem se comportar, apesar de que ‘meninos são meninos’. Suas filhas ainda ouvem que meninos puxam o cabelo delas ou as beliscam porque gostam delas.
Você não é igual. Suas filhas não são iguais. Você é oprimida sistematicamente.
Estônia permite que os pais tenham até três anos de licença maternidade, totalmente paga pelos primeiros 435 dias. Os Estados Unidos não tem política de licença maternidade.
As mulheres em Singapura se sentem seguras andando na rua à noite. Mulheres americanas não.
As mulheres da Nova Zelândia têm a menor diferença de gênero em salários, de 5.6%. Essa diferença nos Estados Unidos é de 20%.
A Islândia tem o maior número de mulheres em cargo de Diretora Executiva, com 44%. Estados Unidos está em 4.0%.
Os Estados Unidos estão em posição 45 em igualdade feminina. Atrás de Ruanda, Cuba, Filipinas, Jamaica.
Mas eu entendo. Você não quer admitir. Você não quer ser uma vítima. Você acha que feminismo é um palavrão. Você acha que não é elegante lutar por igualdade. Você odeia a palavra ‘pussy’. A não ser é claro que seja pra chamar um homem que não atinge seu padrão de masculinidade. Você conhece o tipo de homem que “deixa” “sua” mulher fazer a porra que ela quiser. Eu entendo. Você acredita que feministas são emocionais, irracionais, insensatas. Por quê as mulheres não ficam satisfeitas com suas vidas, né? Você tem o que tem e não fica triste, certo?
Eu entendo. Você quer se sentir com poderes. Você não quer acreditar que é oprimida. Porque isso significaria que você é mesmo uma “cidadã de segunda-classe”. Você não quer se sentir como uma. Eu entendo. Mas não se preocupe. Eu vou marchar por você. Vou marchar pela sua filha. E pela filha da sua filha. E talvez você ainda vai acreditar que o mundo não vai mudar. Vai acreditar que você sempre teve os direitos que tem hoje. E tudo bem.
Porque as mulheres que realmente se importam e apoiam umas às outras não se importam com o que você pensa delas. Elas se importam com seus futuros e o futuro das mulheres que virão após elas.
Abra seus olhos. Abra bem. Porque eu vou te dizer, junto com milhões de outras mulheres, que você não é igual.
Nossa igualdade é uma ilusão. Um truque pra se sentir bem. Um truque da mente. Desculpa te contar, mas você não é igual. Nem suas filhas.
Mas não se preocupe. Nós marcharemos por você. Lutaremos por você. Nos ergueremos por você. E um dia você vai ser igual de verdade, ao invés de só sentir como se fosse.
*SIGA PIMENTARIA: