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O pornô que a mulher quer

Reportagem publicada na edição de fevereiro da revista Status.

Nada de britadeira, closes genitais, gozo na cara, gemidos mecânicos. Como é o sexo explícito que a gente gosta de assistir – e o que você pode aprender com esse novo gênero

Por Nathalia Ziemkiewicz

“Vou trabalhar de casa hoje”, avisei meu marido por mensagem de celular. “Tenho que escrever sobre uns filmes pornôs e não é o tipo de apuração que se possa fazer da redação”. Ele respondeu com alguma gracinha, doido para encerrar o expediente e se voluntariar na pesquisa. A verdade é que eu não estava tão empolgada assim. Logo imaginei aquelas loiras maquiadas com a sutileza de drag queens, peitos inflados como balões de gás hélio, unhas postiças dignas de Zé do Caixão, gemendo histericamente para a câmera. Lamento decepcionar você, querido leitor, mas não tenho uma única amiga que fique excitada com esse tipo de cena. Na mesa do bar, comentamos desses homens que reproduzem na cama (pior: querem que a gente reproduza) os clichês das produções pornográficas tradicionais. Ainda bem que cineastas estrangeiras perguntaram às mulheres o que ELAS consideram excitante e inauguraram um gênero batizado com o sugestivo nome de “porna” ou pornô feminino. E, antes que você comece a pensar que apenas elas ganham com a novidade, saiba que os filmes voltados para as mulheres se tornaram grandes aliados dos homens, um artifício que pode ser usado para apimentar a relação.

O movimento, que nasceu na Europa e ganhou corpo em 2009, subverte o foco do prazer. Ele não está mais no universo masculino. O conteúdo dos filmes traduz o olhar, o desejo e as fantasias sexuais da mulher. Enquanto a maioria dos vídeos eróticos disponíveis no mercado é composta por um compilado de closes genitais, o porna entende que as mulheres são mais imaginativas do que visuais. Prova disso é o estrondoso sucesso da literatura à la “Cinquenta Tons de Cinza”. Por exemplo, você pode ficar excitadíssimo e pronto para transar só de ver uma gata saindo do banho. O contrário raramente acontece. Aposto que todo cara já ouviu para ir com mais calma, acender umas velas, abrir um vinho e ligar o som… A dinâmica é essa, o que não significa que não gostamos de uma boa sacanagem. Queremos sexo explícito, sim, mas valorizamos muito mais o enredo.

Erika Lust, a mais famosa diretora do gênero "porna".

Erika Lust, a mais famosa diretora do gênero “porna”.

A sueca Érika Lust, diretora expoente do gênero porna, começou a filmar aquilo que gostaria realmente de assistir. Um sexo mais próximo da realidade, menos estéril e previsível. Com mulheres reais tendo orgasmos sinceros. “No pornô tradicional, elas estão ali para satisfazer os homens, não o próprio prazer”, afirma Érika, vencedora do Feminist Porn Awards, o Oscar do pornô feminino. “Recorro aos melhores elementos cinematográficos para despertá-las”. A qualidade técnica e o cuidado com os detalhes impressionam mesmo. Nas produções de Érika, não há espaço para iluminação ruim, diálogos bregas, personagens estúpidos, cenário caído e lençóis sujos. A escolha do elenco prioriza corpos com os quais nos identificamos: atores com pênis e barrigas e músculos normais, atrizes curvilíneas e com celulite – sem exageradas intervenções plásticas. As mulheres não são retratadas como vadias submissas nem forçadas a nada. Segundo ela, o feedback dos homens que assistem é bem positivo. Com exceção, óbvio, daqueles que não ligam para o prazer de suas parceiras.

As tramas de Érika incluem desde uma executiva casada que adora banhos de espuma com um garoto mais jovem à cliente solitária que recebe massagem tântrica de uma profissional. Cada história dura, em geral, 15 minutos. O que se vê são mãos dadas, muito beijo na boca, risadas cúmplices, capricho nas preliminares e sexo oral (nelas!). Em vez da monotonia dos ângulos ginecológicos, as imagens mostram e insinuam, brincando com o nossa curiosidade e nosso tesão. Érika Lust não para de ganhar fãs e concorrentes mundo afora – interessados em consumir e produzir roteiros em que o sexo é saudável, divertido, possível, prazeroso para ambos. E o curioso é que, mesmo pertencentes à categoria porna, as diretoras têm estilos peculiares. Umas são românticas (nem por isso se restringem à posição papai-mamãe) como Érika, outras mais ousadas em suas temáticas.

Petra Joy, diretora alemã de “Feeling it, Not Faking it” (“Sentindo, não fingindo”, na tradução do inglês) filma pessoas comuns transando. Vale quase tudo, como ménage à trois e sexo a quatro. Não valem práticas que ela considera degradantes, como obrigar uma mulher a engolir esperma – comportamento comum nos bastidores da indústria pornô. Seu trabalho têm um caráter profundamente político, levantando bandeiras contra o machismo secular. Petra está longe de condenar aquelas que gostam ou concordam com a ideia, apenas não quer reforçar certos estereótipos em seus filmes. “Na minha experiência, as mulheres também gostam de receber sexo oral em vez de ficar só fazendo boquete o tempo todo”, afirma.

Não é porque os filmes são feitos por mulheres que as produções sejam sem graça, não tenham uma boa dose de pimenta. Pelo contrário. Eles são, de certa forma, a chave para entender o que elas realmente querem na cama. E é possível encontrar longas dos mais variados tipos. Os vídeos das australiana Louise Lush (“Ms Naughty” ou “Senhora Desobediente”) e da britânica Anna Span, por exemplo, são mais ousados. Um estilo “hardcore” recheado de cenas de sexo explícito selvagem, em posições nada conservadoras. O homem está sempre a serviço, atendendo todos os desejos, em vez de mandar e mandar. Realizam fantasias como bombeiros, policiais e médicos – personagens que povoam o imaginário feminino. É curioso também perceber os ângulos da câmera sob a perspectiva da mulher, portanto o corpo deles aparece bem mais que o comum.

Já a norte-americana Candida Royalle, ex-atriz pornô, segue uma linha mais tradicional. As personagens que cria interpretam fetiches comuns, como transar com desconhecidos em locais exóticos ou amarrar um homem na cama. Os sites oficiais das diretoras costumam trazer suas obras. Terapeutas e especialistas em sexualidade são unânimes: esse tipo de ferramenta pode acrescentar muito ao relacionamento. “Filmes inspiram, aumentam a excitação e podem funcionar como uma preliminar. Indico que as pacientes com baixa libido assistam com seus parceiros” diz a ginecologista e sexóloga Carolina Ambrogini, idealizadora do Projeto Afrodite (Unifesp), que atende mulheres com disfunções sexuais. “Quando o casal se envolve junto na fantasia, o sexo flui melhor”.

Essa vertente da indústria pornográfica tem conquistado cada vez mais espaço e quebrado preconceitos. Basta ver que, na Holanda, há um canal de televisão com 24 horas de programação erótica voltada exclusivamente para o público feminino. Na página virtual da Dusk TV, as espectadoras conseguem ranquear os filmes de acordo com o quanto se sentiram excitadas. Aqueles que receberem as piores notas saem da grade e deixam de serem exibidos. Essa interação permitiu que o próprio canal tirasse conclusões acerca do que agrada ou não as mulheres. No geral, elas preferem os pornôs com atores atraentes de físico “normal”, em cenas de prazer verdadeiro. Também enaltecem extensivas preliminares, cenário agradável, boa iluminação e fotografia, sexo explícito sem ser mecânico. O canal tem feito tanto sucesso que chegará aos Estados Unidos ainda neste semestre.

Filmes como os que assisti para escrever esta reportagem ajudam a explorar a própria sexualidade e dividir isso com o outro. Estimulam não apenas a imaginação, como abrem portas para conversas fundamentais e construtivas dentro de um relacionamento – do que você gosta e o que gostaria de tentar? Intimidade não se limita à capacidade de andar nu pela casa na frente da pessoa com quem você escolheu compartilhar a vida. Significa não ter medo de contar sobre desejos e fantasias. E aceitar o que vem do lado de lá. Não importa se é a expectativa por um sexo quente, selvagem, romântico ou excêntrico. Eu acabei de ampliar o meu repertório e desconfio que você será bem mais feliz se sugerir uma sessão cinema dessas para a sua mulher. Está esperando o quê?

Para ver com ela: entenda as diferenças entre o pornô tradicional e o porna
1. Enredo
Pornô tradicional > Loiras siliconadas com roupas decotadas funcionam como objeto sexual de homens musculosos bem dotados. Elas não pensam, apenas obedecem.

Porna > Mulheres curvilíneas e independentes saem do trabalho para encontrar seus parceiros, rapazes atenciosos e com corpos bem realísticos. Elas estão no controle do próprio prazer.

2. Cenas

Pornô tradicional > Closes genitais, práticas violentas de submissão (como engolir ou receber esperma no rosto), muita penetração, gemidos artificiais e escandalosos.

Porna > Imagens insinuam mais do que mostram, beijos na boca, carícias carinhosas, extensas preliminares, muito sexo oral nelas, sussurros e respiração ofegante, orgasmos reais.

3. Ambiente

Pornô tradicional > Qualquer lugar.

Porna > Luz natural ou velas, decoração refinada, lingeries caras, banheiras com espuma…

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