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Ninfomaníaca: “Sexo foi a droga mais pesada que já usei”

(Foto: Getty Images)

Entrevistei a designer de interiores Sandra* em 2014, à época com 53 anos, moradora do Rio de Janeiro e viciada em sexo. Levei mais de um mês para encontrar alguém disposto a falar abertamente sobre o assunto, ainda que não topasse revelar o nome verdadeiro, para uma reportagem.

Dia desses, por acaso, ouvi um cara dizer que sua mulher não gostava muito de transar e, “infelizmente”, não havia se casado com uma ninfomaníaca. As pessoas não têm a menor ideia do que ninfomania significa. Esse transtorno psiquiátrico traz consequências emocionais, físicas e sociais devastadoras – como você vai descobrir no depoimento de Sandra*.

 “A ficha caiu em 2001. Minha mãe estava morrendo no quarto ao lado e o cara com quem eu estava queria transar compulsivamente na sala. Foi quando percebi que tinha algo errado comigo e com as pessoas com quem me relacionava. Eu me incomodava com esses padrões que mantinha há anos e procurei o DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos) para entender o porquê.

Vim de uma família disfuncional. Na infância, vi meu pai surrar meu irmão homossexual porque ele tinha trejeitos afeminados e minha mãe era omissa sobre as atitudes do marido com quem foi casada por 24 anos. Nunca levei um tapa, era a bonequinha do meu pai, mas fui uma criança com dificuldade de dar e receber afeto.

Só aos 18 anos, quando ele morreu, compreendi que ele me bulinava com beijos no pescoço, massagens da minha perna aos genitais… Aquilo sempre me incomodava, mas eu não conseguia pedir que ele parasse porque entendia como uma forma de amor. Nessa época, perdi o rumo, passei a beber demais, usar drogas e fazer sexo feito uma louca. Eu precisava fugir da minha história.

A minha descoberta sexual também foi caótica. Eu perdi a virgindade numa chantagem emocional: o cara disse que me namoraria se eu transasse com ele. Óbvio que ele sumiu depois. Mas eu engravidei, tinha 17 anos. Minha mãe me levou numa clínica para abortar – entendi aquilo como uma prática simples de resolver o problema. E essa noção teve consequências graves.

Até os 33 anos, tive cerca de 200 parceiros sexuais e nunca me protegi. Fiz 18 abortos e transei sem camisinha com homens que morreram de AIDS. Estar viva é um milagre. Eu gastava muito tempo na academia para esculpir meu corpo, vivia em festas, viagens, iates… Era a “maluquinha moderna”, ninguém sabia que aquilo era uma doença. Escolhia caras bonitos, ricos e bem-sucedidos porque eu tinha a fantasia de que eles iriam se apaixonar e casariam comigo.

Na minha ilusão, eu imaginava que o que eu sentia era paixão. Mas eles eram doidos também – gambá só atrai gambá. Transava desenfreadamente. O sexo foi a droga mais pesada que eu já provei. Quando a euforia passava, vinha a crise depressiva: “ele me usou e jogou fora, que merda de mulher sou eu”. Ia para casa, bebia e chorava sozinha, cheia de culpa e dor. Tentei me matar várias vezes. 

Fui casada quatro vezes, o mais longo relacionamento durou 5 anos e gerou a minha filha (hoje com 17 anos). Quando estava casada não traía, focava minha compulsão naquela pessoa, sugava toda a energia dela como um vampiro. Até esgotar e partir para outra. Só descobri o orgasmo aos 41 anos, quando tive uma primeira relação sóbria. Eu fingia o tempo todo, vivia sob uma anestesia muito forte. A vergonha e a raiva sempre me acompanharam. Só depois de senti-las intensamente, pude transcendê-las.

Quando comecei a me tratar psicologicamente, comecei a ter sonhos que remetiam aos abusos que sofri. Entendi que essas coisas ficaram registradas no meu emocional e é bom saber que consegui interromper essa cadeia disfuncional. Minha filha não vai sofrer o que eu sofri. Ela sabe que frequento o DASA, mas não os detalhes. Estou me fortalecendo para um dia poder tocar no assunto. Para me reconstruir, larguei o álcool e o cigarro. 

Há oito anos não tenho relação sexual. Há dois, parei de me masturbar. Não posso flertar nem ver vídeo pornô para não sentir o “barato” de novo e desencadear outro processo destrutivo. Essa abstinência foi fundamental para que eu conseguisse fazer uma reflexão profunda e me aceitar. Minha fé – sou um pouco católica, um pouco budista – também me ajudou bastante. Hoje posso resgatar tudo isso sem me penalizar mais.

Posso voltar a fazer sexo, não é que nunca mais farei isso na vida. Preciso da abstinência para entrar profundamente em contato com a minha história, desconstruí-la e transformá-la. Quando encontrar alguém com quem me identifique e ache que valha a pena me envolver, seja homem ou mulher. Por enquanto, estou me namorando e me descobrindo. Isso é lindo e basta agora”.

***Este post foi originalmente publicado na coluna da Nath no Yahoo.

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Comentários
  • O depoimento descreve uma querida amiga que mantém o mesmo comportamento autodestrutivo há anos, ela não compreende que tem um transtorno, mesmo sabendo que é negativamente julgada por todos. Já tentei de tudo para que ela se trate, mas ela não aceita nem falar no assunto…uma pena!

    21 de abril de 2018

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