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Catherine Hakim: “Ter um caso faz bem ao casamento”

Uma polêmica entrevista que fiz em 2012 sobre infidelidade, publicada na revista Época. 

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A pesquisadora Catherine Hakim chegou a conclusões bem pragmáticas quanto à infidelidade conjugal.

Pesquisadora da london School of Economics, a socióloga inglesa Catherine Hakim gosta de desafiar a moral vigente. Em 2011, ela publicou Capital erótico, livro em que defendia o direito de usar a beleza para subir na vida. Agora, aos 64 anos, acaba de lançar The new rules: internet dating, playfairs and erotic power (em tradução livre, As novas regras: encontros pela internet, casos rápidos e poder erótico), sem previsão de publicação no Brasil. Para escrevê-lo, Catherine entrevistou usuários de sites para infiéis. Eles contaram a ela que são felizes no casamento e que buscam parceiros sexuais na internet apenas para suprir a falta de sexo, comum na vida dos casais. Catherine defende essa atitude. “Gostar de comer em casa diariamente não nos impede de ir ao restaurante de vez em quando.”

ÉPOCA – Há evidências de que os casamentos mais duradouros são aqueles em que ocorrem casos extraconjugais?
Catherine Hakim – As pesquisas mostram que, nos países com menor taxa de divórcio, os casos extraconjugais são mais aceitáveis e praticados. Nos Estados Unidos, onde a infidelidade é vista como pecado e não se tolera a mínima escapada, metade dos casamentos termina em divórcio. Na Europa, há uma cultura de que a fidelidade sexual no casamento não é tão importante assim. Não é à toa que, na Espanha e na Itália, a taxa de divórcio fica em torno de 10%. Nesses países, os estudos revelam a alta incidência de casais em que cônjuges já tiveram um ou mais casos durante o relacionamento. Casamentos começam e terminam por várias razões. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, as mulheres dizem largar o marido depois de alguma evidência de um caso. Hillary Clinton foi publicamente execrada por não ter se separado depois da exposição do caso entre seu marido, Bill Clinton, e a estagiária Monica Lewinsky.

ÉPOCA – Trair, então, é a receita para manter um casamento feliz?
Catherine – Não, só estou dizendo que um caso não é grande coisa. Acho exagero esse conceito que rotula a infidelidade como um terrível desastre e que, se acontecer em sua casa, é sua obrigação pedir o divórcio. Meu livro retrata as experiências de homens e mulheres que usam sites de encontros para ser infiéis. A razão mais comum para eles recorrerem a isso é um casamento sem sexo suficiente. Eles tentam encontrar quem também quer preencher essa lacuna. Para essas pessoas, ter um caso é uma ótima forma de manter um casamento feliz. Nos anos 1960 e 1970, era imoral ver jovens solteiros fazendo sexo antes do casamento ou morando junto. Agora, essas coisas são aceitas. Da mesma forma, sexo fora do casamento virou algo factível. A ideia ainda choca, apesar de ser difundida nesses sites. Hoje, sociedades como a França entenderam que a fidelidade sexual é uma questão de escolha e não pode ser imposta. Isso não tem a ver com poligamia ou relacionamento aberto. A dinâmica é outra, porque você esconde o caso.

ÉPOCA – Quem procura um caso está infeliz em casa?
Catherine – Não necessariamente. A maioria dos entrevistados para o livro estava feliz com o casamento e não queria que nada afetasse as circunstâncias familiares. Até por isso se preocupavam em manter o caso com discrição. Eles não pensavam em se separar do cônjuge. Nem em se apaixonar ou viver um grande romance com outra pessoa. Queriam coisas que a relação, depois de três ou quatro anos, não consegue mais oferecer.

ÉPOCA – Que coisas são essas?
Catherine – As pessoas usam esses sites de encontro porque o casamento virou uma espécie de celibato. Para elas, essa é a solução para permanecer no casamento. Outras têm casos pela excitação e pela aventura, mesmo que o sexo no casamento esteja ótimo. Ambos os sexos sentem que, depois do período “lua de mel”, acaba a novidade. O outro se torna familiar e não causa tanta excitação. As pessoas gostam da segurança de um casamento, mas também sonham com fortes emoções. Querem se sentir atraídas e desejadas. Os casos oferecem de volta a empolgação com o jogo sexual, a fantasia aventureira, a afirmação da individualidade. A ideia de que os casos são proibidos e envolvem risco deixa tudo mais interessante. Cada sexo age de forma diferente quanto a isso. As mulheres, em geral, buscam nos casos a atenção que às vezes não recebem do marido. Os homens são instigados pela fuga da rotina e pela chance de ter mais sexo do que em casa.

ÉPOCA – A senhora diz que o impacto da internet na sexualidade é comparável à invenção do anticoncepcional. Por quê?
Catherine – A pílula separou sexualidade de fertilidade. Libertou as pessoas para transar sem finalidade de reprodução e sem medo de engravidar. Descomplicou o sexo casual. Os sites de encontro para infiéis facilitaram a vida de muita gente. Reuniram pessoas que não querem terminar o casamento, mas desejam sexo sem envolvimento emocional. São relações simétricas, em que as duas partes concordam em manter um caso escondido para não constranger o marido ou a mulher.

ÉPOCA – Discrição é uma das regras dos franceses, que a senhora chama de “experts” em infidelidade. Quais as outras lições deles?
Catherine – As pesquisas na França estimam que um quarto das pessoas casadas legalmente já teve pelo menos um caso na vida. Na Inglaterra, apenas um entre dez homens e uma entre 20 mulheres admitem. A principal lição dos franceses é não trair com alguém de seu círculo social, uma vizinha ou um colega de trabalho. Primeiro, para evitar fofocas e preservar a dignidade do cônjuge. Segundo, porque é mais fácil romper o caso se houver indícios de paixão. Lá, eles não se gabam da infidelidade para os amigos. Os encontros, que ficam em segredo, são em elegantes jantares e viagens. Das 5 às 7 da tarde, depois do expediente, é comum as pessoas casadas saírem com seus amantes. A maioria dos casais sabe que os casos são efêmeros e não justificam o fim da vida construída a dois.

ÉPOCA – Há quem diga que é impossível restaurar a confiança e permanecer na relação. Sua sugestão é ignorar a traição e seguir em frente?
Catherine – Sim. Esses casos costumam não envolver sentimento e passam logo. Claro que a sociedade pressiona para que você se sinta mal pela infidelidade do marido ou da mulher. A fofoca é um poderoso mecanismo de pressão social. Se você tem um relacionamento que vale a pena, consegue superar. Um bom caso extraconjugal pode até melhorar o casamento, à medida que deixa as pessoas mais felizes e bem-humoradas. Um bom caso é aquele que não deixa a pessoa excessivamente ansiosa ou distante da mulher ou do marido. É algo leve, sem cobranças.

ÉPOCA – Por que a senhora diz que as amantes de homens ricos e poderosos têm direito a benefícios financeiros?
Catherine – O tradicional caso extraconjugal sempre foi entre um homem casado e uma mulher solteira. Ele costumava ser mais velho, poderoso e bem-sucedido. A amante era uma figura jovem e atraente, mas pobre. É o exemplo do executivo e sua secretária. Considero esse tipo de relacionamento injusto. Em geral, a amante espera se casar, e o homem, para não perdê-la, alimenta a esperança de que abandonará a mulher. Não há igualdade nessas circunstâncias, como haveria entre duas pessoas casadas, no mínimo. Acho que essa amante tem o direito de exigir jantares e presentes caros e viagens bacanas para compensar a exploração. Na China e no Japão, homens jovens têm casos com mulheres ricas e mais velhas na expectativa de ganhar presentes em dinheiro, roupas, carros… Não entendo por que o mundo ocidental se incomoda com isso. É natural que pessoas ricas possam bancar essa generosidade.

ÉPOCA – Por que a senhora afirma que a longevidade é culpada por trairmos mais hoje do que séculos atrás?
Catherine – Antes do século XVIII, os casamentos duravam em média 20 anos, porque as pessoas morriam cedo. Hoje, vivemos 80, 100 anos. E podemos ficar casados com o mesmo companheiro por mais de seis décadas. É um tempo razoável para nos entediarmos. Os casais viram mais amigos que amantes românticos. Isso ajuda a explicar por que buscamos mais casos extraconjugais hoje em dia. Na Inglaterra, nas pesquisas nacionais sobre sexo entre 1990 e 2000, a porcentagem de homens e mulheres que admitia ter casos dobrou. E esse número subiu em 2010.

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Comentários
  • A discussão não deveria ser na tão discutida e exigida fidelidade. Afinal de contas, o que é ser fiel?

    Ser amigo(a) de verdade?, respeitar? e respeitam, no todo? – claro, uma multidão respeita, outra parcela, nem tanto. escondem o jogo e deixam passar, cair no esquecimento, seja lá o que for. Das coisas leves, as mais pesadas. E a lealdade?, ninguém fala dela?, a cumplicidade?, ora bolas, pra que serve mesmo essa figura? Reciprocidade?, – é de comer?

    A imensa maioria, talvez 95% entre 99% amarram o barco na fidelidade sexual e ponto final. Que se dane, o companheirismo, a amizade, o respeito, a lealdade, a cumplicidade. O dividir seu “mundo” com o outro. A maioria vive um mundo de fantasias do reino encantado, e não deixam de ser INDIVIDUALISTAS, muitos são EGOÍSTAS, e tudo que vivem, querem viver apenas pra si, e esquecem que é lindo quando se divide o mundo que temos, que gira ao nosso redor, com quem se ama, porque se não ama, JAMAIS terá com quem dividir, pois não tem nem o que dividir.

    Pessoas assim vivem seus mundinhos esfarrapados, e muitas se acham a última garrafa de água do deserto, – já que se achar a última bolacha do pacote muitas vezes é apenas um amontoado de farelos.

    18 de janeiro de 2016

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