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A maioria dos brasileiros acha que “sim”

Hoje, quando eu saí de casa metida neste vestido decotado, eu estava PEDINDO para ser estuprada. Óbvio.

Por que outro motivo eu circularia por aí dessa forma? Era para seduzir um desconhecido qualquer, me ver arrastada para um beco aos trancos, ter o grito sufocado e ser penetrada à força até que a minha vagina se transformasse num punhado de fissuras. Com sorte, eu engravidaria ou pegaria uma DST. O curioso, vejam vocês, foi que cruzei com centenas de mulheres igualmente mal-intencionadas a caminho do trabalho, da escola do filho, do supermercado… Não sei se todas elas retornaram aos seus lares como eu. Inteiras. Sem a experiência de uma trepada não-consentida. Afinal, segundo 65% dos brasileiros, a gente bem que merecia.

Se você não entendeu a minha ironia, suponho que concorda com o resultado da pesquisa do IPEA divulgada nesta quinta-feira. Nesse caso, eu acho que você MERECE repensar os seus valores. Na sua lógica, as estatísticas de estupro seriam menores se “a mulher soubesse se comportar”. Por acaso, homens são intelectualmente menos evoluídos que nós, incapazes de controlar seus impulsos e SE COMPORTAR? Será que não conseguem olhar uma garota de saia curta ou de fio dental, guardando o pau duro dentro da calça? Caráter e cidadania independem do tamanho do pano que cobre os corpos alheios.

Fosse assim, nos países em que o uso da burca é obrigatório, as mulheres não seriam violentadas também. Qualquer pessoa tem o direito de achar vulgar uma barriga de fora, de concluir que o traje é inapropriado para um local ou uma ocasião. Esse é, aliás, o argumento de inúmeras internautas que comentaram sobre a pesquisa nos portais de notícias e nas redes sociais. Agora, NINGUÉM dotado de cérebro e coração pode desejar um estupro como lição de etiqueta. Eu não te desejo um estupro para que você mude de ideia.

Antes que você me acuse de hipócrita, aplico seu raciocínio a outras esferas da vida cotidiana. O raciocínio de que somos CULPADOS por PROVOCAR no outro instintos animalescos. Então uma grávida que desfila sua barriga na rua MERECE apanhar de mulheres inférteis até perder o bebê. O motorista de um carro MERECE ser apedrejado pela multidão que espera no ponto do ônibus. Todas as joalherias MERECEM ser roubadas por quem não pode comprar suas peças. A colega promovida MERECE ser difamada por quem não foi profissionalmente reconhecido em vez dela. A mulher que se deixa filmar na cama MERECE ter as imagens vazadas pelo Whatsapp. Eu, uma MULHER que gosta e escreve sobre sexo, não passo de “uma vadia que merece ser empalada em praça pública”, claro.

Me dói só de colocar aqui essas coisas absurdas, ainda que a título de ilustração. Uma sociedade sem respeito e compaixão pelo outro é uma sociedade que deu errado.

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Mais informação aqui e debate ali.

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Das boas frases na web sobre o assunto:

> “Quando o que nós escolhermos como traje não definir o que somos, aí sim, vamos poder criar nossas filhas sem a preocupação de cobri-las contra uma sociedade que pune a vítima e não o opressor” – Evelin Fomin

> “Não é o meu comportamento que é vulgar, a sua atitude que é criminosa” – Ju Umbelino.

> “Nunca tive notícia de um só caso de um homem que tenha sido violentado porque estava andando sem camisa ou com metade da cueca pra fora da bermuda” – Loiuse.

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Comentários
  • Eu estava há alguns minutos conversando com o meu marido sobre isso. Nunca tive notícia de um só caso de um homem que tenha sido violentado porque estava andando sem camisa ou com metade da cueca pra fora da bermuda. Mas nós, mulheres, somos vítimas históricas dos mais diversos tipos de violência e protagonistas das piores estatísticas. Qual de nós nunca sofreu nenhum tipo de violência ou não anda assustada pelas ruas como medo de ser a próxima? Eu mesma já ouvi de um amigo “ah, mas se vc não estivesse de short, andasse de calça, evitava essas coisas”. O preconceito e o machismo está em todos os lados, está na nossa crianção, no trabalho, no ônibus, na rua, só esperando uma chance para nos vitimar mais uma vez. Os que pregam a liberdade e o respeito são a minoria, hoje impotente e estarrecida diante das estatística. Me pergunto, o que fazer? Pra que lado fica a saída?

    29 de março de 2014
  • O fato é um só: com decote ou com um poncho, com burca ou andando nua pela rua, nada ABSOLUTAMENTE NADA justifica qualquer tipo de violência ou abuso sexual.

    Os homens deveriam é dar graças a deus de andar pelas ruas e ver mulheres explorando a sensualidade.

    Olhe, flerte, mas tenha sempre respeito e educação.

    29 de março de 2014
  • Uma vez quando eu estava na oitava serie, usava uniforme, estava voltando a pé para casa e um cara de bicicleta apalpou o meu peito. Tudo bem, não foi um estupro, mas eu tinha 14 anos, estava com uma mochila da escola e novamente, de uniforme. Fui eu então que “pedi” pra esse cara me apalpar? Se o homem é capaz de fazer isso com uma menina imagine então com uma mulher de roupa curtinha. Toda vez que quero sair de casa com uma roupa dessas preciso passar calor, por um casaco e só tirar quando chegar no destino. Gostaria de poder andar com um shortinho num dia quente ao menos uma vez na vida e não receber assédio na rua.

    29 de março de 2014
  • Absurdo a resposta desta pesquisa. Mas só vem a confirmar a pouca inteligência, pouca cultura e machismo incrustrado do DNA da grande maioria dos brasileiros. Somos o País do preconceito racial, da desigualdade social, das elites………….

    30 de março de 2014
  • Poo, com o perdão da palavra, do caralho seu texto.

    “Uma sociedade sem respeito e compaixão pelo outro é uma sociedade que deu errado.”

    Objetivo e feliz nas palavras que usa.

    Tava pensando sobre essa pesquisa hoje mesmo, e cheguei a pensar em como seria aplicar o raciocínio de quem pensa que a culpa do estupro é da vítima, e me lembro de ter pensado no exemplo do carro, entre que vc usou, outros tipo a pessoa que tira o iphone do bolso em praça pública está pedindo para ele ser levado.

    É como se tivéssemos que nos trancar dentro de nossas casas e nos cubrir até os dentes de qlqr tipo de “proteção”, pq se sairmos de casa no “horário errado” com a “roupa errada”, aí estaremos dando “chance ao azar”. Lógica furadíssima.

    E nesse caso da “pouca roupa é provocar”, isso é um fruto extremo de um lógica suja que “beneficia”, acima de tudo, o homem, e que é reproduzida a tanto tempo por tanta gente, inclusive por algumas mulheres (veja-se os comentários de algumas na pesquisa), mutas vezes sem um mínimo de reflexão.

    Bom mesmo é ver que tem quem não se conforma, e que faz o que pode, grita até faltar ar, mete “soco em ponta de faca”, se for necessário (pq sabe que não é mesmo dar soco em ponta de faca, embora uma pesquisa dessas seja de desanimar), pra mudar tudo isso.

    Forte abraço.

    31 de março de 2014
  • Ótimo texto! Parabéns!!
    Acredito que o pensamento de que a mulher merece ser estuprada conforme as roupas que veste, apenas reflete o machismo e o forte preconceito impregnado em nossa cultura. Bem como, de que é somente a aparência que conta para julgarmos alguém!
    Após os movimentos feministas, nas últimas décadas, nós mulheres, ganhamos muito poder! E com certeza alguns homens, arreigados de um pensamento machista, incongruente com a situação atual da sociedade, se sentem muito ameaçados pelas mulheres! Pois se elas ganharam poder, eles perderam poder. Isso pode justificar o aumento da violência contra as mulheres, e raciocínios patéticos como esses, apresentados na pesquisa!
    Abraço.

    31 de março de 2014

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