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“Quando o filho sai do armário, a mãe entra”, diz especialista

(Foto: Pixabay @robertlischka

Em 1992, o caçula dos sete filhos da professora e psicóloga Edith Modesto revelou que é homossexual. Ela se desesperou. Não sabia muito bem o que aquilo significava, mas começou a pesquisar sobre orientação sexual. Também não tinha com quem conversar sobre o assunto. Cinco anos depois, reunia em sua casa quatro mães igualmente desnorteadas.

Motivada pelos resultados desse apoio mútuo, fundou o Grupo de Pais de Homossexuais – hoje 200 associados em todo o país trocam confidências e angústias em encontros presenciais e plataformas virtuais. Aos 79 anos, Edith acumula a autoria de livros como “Mãe sempre sabe? Mitos e verdades sobre pais e seus filhos homossexuais” (Editora Record) e a premiada tese de doutorado pela USP “Homossexualidade: preconceito e intolerância”.

– Tem gente que acha que o “número de gays aumentou muito” porque a sociedade “tá muito liberal” e os pais não botam “limites”. Faz algum sentido?

EDITH – Não aumentou, os gays é que não podiam ou conseguiam se assumir publicamente. Hoje o cenário é outro: eles brigam pelo direito de ser quem são. O preconceito vem diminuindo à medida que as pessoas se informam. Digamos que já “dá pra abraçar o filho gay da vizinha”. Antigamente era como se ele tivesse uma doença contagiosa, então nem deixavam os filhos brincarem juntos. Agora “apenas” olham pra essa mãe com pena.

– Você acha que os pais sabem quando um (a) filho (a) é gay?

EDITH – Não, nem sempre sabem. Os pais ficam com alguma desconfiança se o (a) filho (a) não segue o que a sociedade espera dele (a) – como deve ser e se comportar enquanto menino ou menina. É aquela mãe que acha estranho o filho não gostar de futebol como os amigos ou a filha se interessar por esportes.

– E existem aqueles que sabem, mas preferem negar?

EDITH – Não é bem assim. A pessoa pode esconder dela mesma, de forma inconsciente, porque é algo que vai fazê-la sofrer. É um mecanismo de defesa.

– É melhor esperar que o filho puxe esse assunto ou tomar a iniciativa?

EDITH – Se possível, procurá-lo (a) para falar sobre seu desconforto e sua dúvida. Mas algumas famílias não constroem vínculos de intimidade, as pessoas não conversam entre si sobre quase nada, não compartilham suas vidas. Aí fica mais complicado. A mãe guarda aquela desconfiança e o (a) filho (a), aquele segredo. É uma tortura para ambos.

– O tom dessa conversa é um fator delicado, né?

EDITH – Claro. Às vezes é pior falar do que não falar. Dependendo da maneira como se aborda o assunto, acusando ou se mostrando contra a homossexualidade, o filho (a) se fecha e sofre mais ainda. Ele (a) já tem medo de perder o amor dos pais por causa de sua orientação sexual. Tanto pais quanto filho (a) experimentam uma morte simbólica nesse processo de aceitação. Porque, quando nascemos, dizem que somos héteros. Então quando você se percebe e assume sua homossexualidade, o que fazer com o seu “lado hetero”?

– Qual o impacto da notícia nos pais? Ainda se perguntam “Onde foi que eu errei”?

EDITH – Medo, decepção, raiva, desespero… Ficam procurando respostas. Surge todo tipo de mitologia: acham que criaram mal, que o pai era muito ausente, que a mãe era muito carinhosa etc. O impacto é grande – principalmente para a mãe. Quando um filho sai do armário, ela entra.

–  Por que?

EDITH – Nossa cultura bota tudo como “culpa da mãe”. Ela fica com vergonha, vive se perguntando o que podia ter feito diferente. No começo não tem coragem de contar para ninguém – nem para o marido. Teme que ele a responsabilize pela orientação sexual do (a) filho (a), expulse de casa, reaja de forma agressiva…

mãeSempreSabe

– E qual a expectativa do (a) filho (a) ao revelar que é homossexual?

EDITH – Primeiro, há um descompasso entre a expectativa dele (a) e a realidade. Porque, apesar de ter levado anos para aceitar a própria orientação sexual e se afirmar, o (a) filho (a) quer que a mãe compreenda e aceite em uma semana. Existe aquela crença de que “amor de mãe é incondicional”. Isso não é verdade. Ela é uma mulher, não uma deusa. Pode ser doloroso e levar tempo mesmo. O (a) filho (a) revela que é gay porque precisa do amor, do afeto e do acolhimento dos pais. Ele já está num difícil processo de auto aceitação e, sem apoio, se sente meio órfão. Na verdade, ele se sente assim desde sempre.

– Como assim?

EDITH – Um menino negro que sofre bullying na escola, ouve xingamentos como “cabelo de bombril”, chega em casa chorando e corre pro colo da mãe pra contar o que aconteceu. A mãe vai na escola defendê-lo. Um menino gay que é chamado de “veado” pelos coleguinhas vai pra casa chorar na cama. Ele não procura o colo da mãe porque não contou pra ela sobre sua orientação sexual. Não consegue ser 100% verdadeiro – tem medo de perder o amor dela, sente culpa por não ser como o pai… Dá pena porque meninos de doze anos chegam apavorados ao meu consultório pedindo: “Quero ser hétero”.

– As reações dos pais diferem de acordo com nível cultural e social? O que faz com que uns acolham os filhos e outros queiram punir?

EDITH – Não tem a ver com nível social e cultural. Pessoas simples às vezes aceitam com mais simplicidade do que pessoas cultas. Vice-versa. Mas a religião dos pais interfere muito e pode dificultar o processo de aceitação. Algumas igrejas pregam que homossexuais têm o demônio dentro de si, que vão para o inferno etc. Você já imaginou o sofrimento da mãe de um (a) filho (a) gay que acredita nessas coisas? E esses jovens que cresceram na igreja e são rejeitados por ela quando se assumem?

– Expulsar de casa, não pagar mais a faculdade, tirar o carro, parar de falar com o (a) filho (a) são medidas efetivas? 

EDITH – Claro que não. Só faz com que eles se fechem ainda mais, não saiam do quarto, evitem sentar à mesa com a família, não se sintam mais parte dela – como um estranho no ninho. Esse isolamento pode ter consequências terríveis como depressão, distúrbios alimentares, uso de drogas, param de estudar e trabalhar… Eles conseguem suportar um pouco melhor se estiverem namorando.

– Se uma mãe entra no Grupo de Pais de Homossexuais dizendo “prefiro um filho morto a um filho gay”… como vocês respondem?

EDITH – Precisamos respeitar sua dificuldade e seu preconceito – cada um tem sua trajetória, referências familiares, valores religiosos etc. Acolhemos a dor dela: “Você está triste agora, mas o seu amor é muito maior do que isso”. Não podemos acusá-la de homofóbica ou repreendê-la. Essa estratégia não funciona porque a pessoa se fecha em vez de refletir. A vitória vem quando mostramos que todos nós temos preconceitos (mesmo não sendo quanto à orientação sexual das pessoas) e que podemos fazer uma mudança interna.

***Este post foi originalmente publicado na coluna da Nath no Yahoo.

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