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“Não faça sexo, você não tem idade pra isso” – ou o discurso equivocado dos pais de adolescentes

“Prometi aos pais que você só ia falar de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis”, a professora me encurralou. “Deixe claro que eles não têm idade pra essas coisas”. Eu estava prestes a começar uma palestra sobre sexualidade para adolescentes entre 13 e 18 anos da rede pública de ensino. Como se dizer “não faça sexo” fosse suficiente. Ou adotar o método universal de fingir-que-nada-está-acontecendo tivesse comprovada eficácia. Trabalho com a realidade. E a realidade me diz que os brasileiros perdem a virgindade, em média, aos 15. Que 70% dos jovens de 12 assistem pornografia com regularidade. Que a esmagadora maioria acredita que oral e anal “não são sexo de verdade” – e, portanto, praticam sem proteção. Poderia citar dezenas de dados capazes de esbugalhar os olhos.

Nada espantaria mais aquela professora do que as perguntas enviadas por seus alunos em bilhetinhos. Microfone em punho, respondi coisas como: “toda mulher gosta que goze na cara?”, “por que meu namorado prefere sexo anal?”, “se ele se masturbar e depois botar a mão lá dentro de mim posso engravidar?”, “faz mal engolir?”, “já tomei oito vezes a pílula do dia seguinte, ainda funciona ou corro risco?”, “usar sacolé (o saquinho plástico do picolé artesanal) em vez de camisinha é 100% seguro?”, “por que dói pra fazer xixi quando a gente faz sexo muitas vezes seguidas?”, “qual posição faz a mulher ter mais orgasmos?”, “como faço pra tomar anticoncepcional sem que minha mãe fique sabendo?”.

Até quando pais e escola vão brincar de batata-quente, passando de lá pra cá a tarefa de conversar honestamente sobre sexo? E não só sobre o aspecto negativo (gravidez e DSTs)? Ambos são responsáveis pela educação sexual das crianças e adolescentes, por seus valores, pelo tratamento que dispensam a si mesmos e aos outros. Passamos a eles uma mensagem e ensinamos mesmo quando permanecemos em silêncio – por exemplo, dando a entender que sexo é feio, sujo, tabu. Se não damos as informações necessárias, lançamos esses jovens ao mundo despreparados e sujeitos a muitos riscos. Deixamos que outras fontes muito menos idôneas, como coleguinhas e a própria mídia, entrem em cena e se tornem professores deles. Hoje em dia, com a internet em todos os smartphones e tablets nas mãos infantis, o primeiro contato com pornografia se dá aos sete anos de idade. A criança está em fase de alfabetização e pergunta ao Google “o que é sexo”. Como não consegue ler, em vez de clicar nos links, vai direto para imagens (faça o teste…).

Livro ótimo sobre como lidar com o desenvolvimento e a curiosidade sexual das crianças e adolescentes

O maior erro, talvez, seja esperar para falar sobre sexo até que o filho pergunte alguma coisa. Você espera para alfabetizá-lo quando ele pede para ler um livro? Você aguarda ele se interessar pelo conceito de subtração para ensinar sobre matemática? Da mesma forma, você deveria explicar desde muito cedo que homens têm pênis e meninas têm vagina – nada de borboletinhas e cobrinhas. E por aí vai: como nascem os bebês, por que meninas menstruam e meninos acordam “molhados” etc. Tudo bem você pisar em ovos e não ter a menor ideia de como abordar o assunto. Só não vale, por conta disso, ignorar completamente que seus filhos são seres sexuais (não estou dizendo que FAZEM SEXO, mas que têm sexualidade!). Alguns livros ajudam muito a lidar com as fases de desenvolvimento e curiosidade sexual dos pequenos – o melhor que já li é de Mark A. Schuster e Justin Richardson, chama-se “Tudo o que você teme que seus filhos perguntem, mas precisa informar sobre sexo” (Editora MM).

Táticas de amedrontamento não funcionam, simplesmente encerram a conversa e fecham o canal de diálogo. Sabe aquela história de fazer escândalo e deixar de castigo porque encontrou camisinha ou pílula na bolsa da filha? Hello, minha gente. Ao invés disso, por que não pensar que a garota está sendo responsável e usar a situação como gatilho para dialogar? Os estudos mostram que adolescentes cujos pais conversaram sobre a importância da camisinha têm uma probabilidade vinte vezes maior de usá-la regularmente, e três vezes maior de usá-la na primeira vez. Eficaz é entregar aos jovens as ferramentas para que possam decidir por si mesmos quando chegar a hora e não se metam em enrascadas. Ninguém sai correndo pra transar porque conversou sobre sexo. Assim como ninguém deixa de se desenvolver sexualmente porque pai/mãe/escola disseram “você não tem idade pra essas coisas”. Sejamos inteligentes e razoáveis, por favor.

*LEIA MAIS:

– “A tia dos adolescentes responde tudo o que eles querem saber sobre sexo”

– “Pais: não adianta fechar os ouvidos”

– “Faça amor, não pornô”

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Comentários
  • Pois é, e agora o Estado acredita que essa seja a função dos pais. Se até hoje a família não deu conta deste tema, pq agora passaria a dar? Os pais acreditam q seus filhos são os mais ingênuos do mundo. Se eles pudessem ouvir os pensamentos desses adolescentes ficariam assustados, pois neste universo cerebral correm dúvidas e anseios dos mais diversos tipos. Tenho uma amiga cujo filho tem 13 anos, 1,80 m e ela acredita que ele nunca tenha visto um filme pornô, mesmo q no celular dele apareça no histórico, mas para ela são vírus. Ele é muito inocente para isso! E assim nossas crianças ficam descobertas de informação e formação. É esse Brasil de DST’s, meninas gravidas, alienação sexual que veremos ainda mais pela frente, caso de fato (e quase certeiro) o atual texto do PME seja aprovado.

    23 de junho de 2015
  • Pois é!! Acontecia mais ou menos a mesma coisa quando trabalhava num museu em sp, o Catavento, que tem um roteiro específico sobre prevenção de drogas, dst’s e gravidez… eu ficava na sala em que rolava conversas sobre drogas, com jovens de 13 a 18 anos, e sempre fui mto aberta pra falar da questão partindo já do princípio de que nossa sociedsade como um todo é consumidora de diversas drogas, diabolizadas ou não. E sentia muitos (MUITOS) responsáveis de escolas super incomodados com a conversa, querendo fingir que eles não usavam narguile, maconha, alcool…. era apenas pra falar de como era “um caminho sem volta q acabava com a vida e fim”…. e só trabalhando com isso percebi o quanto o jovem é carente de conversa, jogo aberto e franco, sem tabus, se repreender nem nada!
    Ao final da visita, eu pedia que colocassem um óculos que tinhamos no museu, que simulava a visão de alguém que já havia tomado de 4 a 6 doses de bebida alcoolica, e pedia que colocassem camisinha numa prótese de pênis. Percebia que a maioria não tinha ideia de como colocá-la, mesmo sem os óculos para dificultar a ação, e perguntava sempre se não ensinavam isso na escola… a resposta sempre foi a mesma: nao, nunca ensinaram isso na escola.
    Nós damos tiro no pé quando achamos que essas conversas tem de ter fundo moral, quando usamos o método “finge que não acontece e fala só de aspectos negativos”… é muito triste ver isso acontecer!
    (E foi um dos melhores trabalhos que já fiz, não ha nada mais legal nesse mu do que abrir esse espaço pra conversa!! Eu amava!)

    23 de junho de 2015
      • Trabalhava sim haha e era uma delícia! Encontrei mto professor/diretor/outros conservador no meio do caminho, mas definitivamente não posso reclamar, pq a maioria dos grupos que atendi era simplesmente fantásticos, os jovens se sentiam a vontade pra me contar muitas e muitas coisas e aprendi tanto com eles todos…
        Por isso que me apaixonei por la, por esse assunto, por esse tipo de trabalho! 😀

        2 de julho de 2015
  • …como se os proprios pais nunca tivessem passado por essa fase tb.

    22 de julho de 2015
  • isso acontece porque a nossa sociedade é hipócrita. Sou professora da educação básica e sei que toda vez que tocamos no tema, pela contingência conteudística ou pela necessidade mesmo, somos cerceados. Quando há qualquer tentativa tímida do governo em implantar algo que envolva educação sexual logo vemos um sem número de igrejas, oposição, professores até se manifestar contra. Quando você trabalha com pré adolescentes e adolescentes é um pouco mais fácil, porque eles já perceberam que se contarem aos pais que a professora está tirando essas dúvidas (através de bilhetinhos na caixinha na aula de ciências rsrs) a fonte seca. Mas quando se trata de crianças menores a coisa fica mais tenebrosa, porque você percebe casos de abuso sexual ou de exposição ao sexo. E quando você, como professor, toma pequenas medidas, você ou é ameaçado, ou não tem apoio nem do poder público, ou da escola.

    25 de agosto de 2015

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