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Existe amor fora da caixa, sabia?

Eu tava toda melequenta de sangue, com expressão de joelho e um cordão pendurado no umbigo, quando me entregaram o primeiro presente da vida. Não era o peito da minha mãe nem o olhar choroso do meu pai. Era uma caixa. Dei um berro mimado e enfurecido ao descobrir que aquilo não era exclusividade minha – todo ser humano neste planeta, assim que nasce, recebe uma. Lá dentro, dobradas delicadamente, estavam todas as expectativas e regras e planos que eu deveria seguir enquanto crescesse. Como eu tinha xoxota, devia gostar de rosa, usar laço no cabelo, dançar balé, agir com docilidade e obediência, brincar de casinha, ser heterossexual, transar depois do casamento, abdicar da profissão pelos filhos, dar conta da roupa suja e do jantar…

Tive uma “sorte” da porra. Porque calhou de eu gostar de meninos e de maquiagem e de cozinhar. Calhou de os meus pais entenderem o meu jeito rebelde, o meu palavreado chulo, a minha precocidade amorosa e sexual. Escolhi um cara que me ama sem esperar que eu lave suas cuecas nem que eu largue o jornalismo depois da maternidade. Ao longo da vida, eu abri as abas da caixa, fui tirando umas ideias e metendo outras. No meio de toda essa bagunça, arejei meus pensamentos e entendi que muita gente não teve a mesma sorte.

Por exemplo: se tá lá que você deve desejar mulheres, mas você se sente atraído por homens? Se você deve usar saias rodadas e fazer depilação, mas gosta de pelos e calças largas? Tenho amigos gays que se culpam por “decepcionar a família”, que têm pavor de “cair na boca do povo”, que tentaram se curar ou se matar, que se entopem de antidepressivo, que não andam de mãos dadas na rua pra não levar uma surra, que são escorraçados da casa dos pais. Quem tá errada – a caixa ou a pessoa que não se encaixa nela? Essa última resposta me parece crucial. Hoje, em 76 países, ser gay é CRIME. Em dez deles, os homossexuais são submetidos à pena de MORTE.

Se eu morasse em Camarões ou na Guiana e ligasse para bater papo com um amigo gay, seria considerada cúmplice de um criminoso. Minha obrigação cívica seria denunciá-lo à polícia: “Oi, prendam este meliante!”. Na Rússia, eu poderia sofrer sérias consequências por causa desse texto, visto pela legislação como uma “propaganda homossexual”. Foi sobre isso que eu conversei com o jornalista Leandro Ramos, gerente de campanhas da All Out no Brasil, cuja missão é garantir que a sexualidade de alguém não faça com que ela perca dignidade, direitos ou a própria vida. “Existem sete bilhões de jornadas, buscas, descobertas – grandes e complexas demais para caberem num caixote”, disse numa palestra inspiradora ao TEDx, em que foi aplaudido de pé pela plateia.

Leandro é um dos 14 membros da All Out no mundo, ONG fundada há dois anos. Com ajuda das redes sociais e de petições online, eles mobilizam milhões de pessoas em defesa dos direitos LGBT. Dão visibilidade a situações absurdas, criando pressão sobre autoridades locais. Agora estão cobrando dos patrocinadores das Olimpíadas de Inverno, que acontecem em fevereiro na Rússia, um posicionamento contra a legislação homofóbica do país. Assim como eu, Leandro teve sorte. Gay, ouviu por aí que não é “homem de verdade”, mas teve o acolhimento da família e desconstruiu os padrões opressores.

“Nesse processo de pensar na própria sexualidade, enfrenta-se muita ruptura e resistência. Como foi fácil pra mim, devo isso a pessoas que sofrem dificuldades”, afirma. Para Leandro, a tal caixa faz com que as pessoas que estão dentro se sintam no direito de atacar, julgar e punir quem está fora. E tratar o sexo como tabu, sem discutir em casa e nas escolas, só contribui pra essa violência toda. Entre o preto e o branco, há uma cacetada de cinzas, gente. Termino com uma frase linda do Leandro sobre atitudes renovadoras: “vamos ser quem a gente é, amar quem a gente ama e fazer a nossa parte para que todo mundo também tenha esse direito”.

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