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A sexualidade dos portadores de Síndrome de Down

(Foto: Getty Images)

Estima-se que vivam no Brasil cerca de 300 mil portadores da Síndrome de Down, cujo Dia Internacional foi celebrado na última terça-feira (21/03). Se na década de 1950 a expectativa de vida deles raramente passava dos 30 anos, hoje a média é de 60 anos. Todo mundo discute como proporcionar cada vez mais autonomia e bem-estar, mas a sexualidade deles continua tabu. Como se ela inexistisse.

Conversei sobre o assunto com a psicóloga Talita Castelão, que conduziu a ampla pesquisa “Sexualidade e Síndrome de Down” para a conclusão de seu mestrado. Ela entrevistou pais, professores e portadores de SD sobre essa faceta ignorada pela maioria da população – aliás, muitas vezes por eles próprios.

– Existe um senso comum de que a sexualidade das pessoas com Síndrome de Down (SD) é aflorada. Por que? Isso é um mito?

TALITA – É um mito, não é uma sexualidade mais aflorada. O que acontece é que eles têm menos regras sociais interiorizadas. Aquilo que uma pessoa comum perceberia facilmente como um comportamento inadequado, a pessoa com Down não percebe com tanta clareza. Então, por exemplo, apertar o peito de uma mulher ou se masturbar em público. É preciso dizer que não se deve fazer isso. Mas essas orientações precisam ser repetidas mais vezes do que seria necessário para uma criança comum.

– Eles não percebem por um comprometimento cognitivo ou por falta de orientação sexual (o que acontece com a maioria das crianças e adolescentes)?

TALITA – As duas coisas. Eles já têm um atraso cognitivo, que dá uma idade mental um pouco diferente do que a idade cronológica – um rapaz com Down de 15 anos não tem a capacidade cognitiva de um rapaz de 15 anos sem Down. O problema é que as pessoas deixam de ensinar sobre os limites por achar que eles não vão aprender.

– Você acha que os pais e a escola infantilizam e subestimam as pessoas com SD, como se os impulsos sexuais não existissem neles… Inclusive na vida adulta?

TALITA – Na maioria dos casos, com certeza. Os sentimentos de desejo, atração, de casar e de ter filhos são iguais ao nossos. Mas normalmente eles são muito reprimidos porque os pais acreditam que, por terem SD, viver a sexualidade não é algo necessário ou permitido. Por exemplo: acham tudo bem a filha fantasiar com o ator da novela, não ter um relacionamento real. Como se ela não desejasse isso. Não deixam beijar na boca, sair com um namorado ou mesmo falar abertamente o que sentem. Então, em geral, a masturbação vira a única fonte de gratificação e prazer sexual.

– As próprias pessoas com SD compreendem sua sexualidade? Sabem o que é tesão, orgasmo etc?

TALITA – Quando conversado com elas, sim. Só que não costumam conversar honestamente sobre esse assunto. Nos programas de educação sexual voltados para pessoas com SD, aprendem a identificar o que estão sentindo, o que é emoção e tesão, como se coloca camisinha e como funciona a pílula, como se proteger sexualmente…

– Isso é importante, inclusive, para que eles reconheçam situações de abuso sexual. É um público mais vulnerável, certo?

TALITA – Sim. Eles têm uma confiança muito grande nas pessoas e muita dificuldade de separar o certo do errado. Para uma criança sem a síndrome, às vezes, basta um olhar e já entendem. Então precisamos orientá-los de forma clara e repetidamente: “Ninguém pode abaixar a sua saia, abrir o seu zíper, colocar a mão no seu pênis / vulva, se você vai ter intimidade com alguém que seja em quem você esteja realmente interessado etc”.

– Você acredita que eles têm condições de casar? De viver a dois e a sós sem supervisão familiar?

TALITA – Depende. Há diferentes graus de comprometimento mental, além do contexto familiar e educativo. Têm mais chances aqueles de grau leve que foram preparados para ter autonomia, conseguiram espaço no mercado de trabalho e independência financeira… Do contrário, fica muito complicado. Especialmente porque o casamento requer que você lide com frustrações e contrariedades, situações para as quais a pessoa com SD nem sempre é treinada. Às vezes cresceu sendo tratado “doentinho”, podia fazer de tudo, aquela história de “ah dá um desconto”, sem imposição de limites. Quando, na verdade, não deveria ser tratado de forma diferente – dos irmãos, por exemplo.

– Filhos de pessoas com SD nascem com a síndrome?

TALITA – Não necessariamente. A menina/mulher tem fertilidade normal, então pode engravidar – e é esse risco que assusta os pais. O menino/homem tem baixa fertilidade, existem poucos casos de paternidade. No caso de uma pessoa com SD e outra sem SD, há iguais chances de a criança nascer com ou sem a síndrome (50% cada). Quando ambos os pais têm SD, há 50% de chances de um(a) filho(a) com SD, 25% sem SD e 25% abortam espontaneamente.

– Como derrubar o tabu da sexualidade nas pessoas com SD?

TALITA – Compreendendo que as pessoas com a síndrome não têm comprometimento emocional nem sexual. Treinando a família para a ideia de que esse filho não vai ficar para sempre com ela. Quanto mais autonomia, melhor – a expectativa de vida deles cresceu muito e os pais não são para sempre. Debatendo na mídia e oferecendo o máximo de informações possível.

***Este post foi originalmente publicado na coluna da Nath no Yahoo.

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