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O cheiro agridoce de todos os fins

“A morte tem cheiro”, ouvi certa vez de uma enfermeira que cuidava de pacientes terminais. “Eu sinto e sei que aquele coração logo vai parar de bater”. Então foi isso que entrou pelas minhas narinas naquele abraço. Algo insuportavelmente agridoce exalava da sua nuca. O silêncio entre nós dois, pesado feito um rinoceronte. A respiração entrecortada por suspiros, própria de todos os fins. Tudo o que eu te disse sem que você conseguisse realmente entender. E o que eu entendi do que você não conseguiu dizer. “Fique com as suas certezas”. Fico com as minhas porque nunca tive as suas.

Não te culpo. A gente só dá aquilo que tem para dar. Eu tinha amor – e te dei. Meu erro foi ter esperado reciprocidade. Ou ter imaginado que você me amaria do jeito como eu amo todas as pessoas importantes da minha vida. Sem medo, sem joguinho, sem orgulho. Com a sinceridade das palavras duras e o exagero das LETRAS GARRAFAIS. Respeitei o tempo do seu egoísmo, um-dia-de-cada-vez, mas ele não deu o braço a torcer. Você não se expõe porque teme se comprometer. Nunca decide porque não suporta o ônus de fazer a escolha errada. Assim vai levando a vida, desviando dos conflitos e das dores como quem engole um comprimido placebo acreditando piamente na cura.

Eu vou sentir muito a sua falta. Das longas conversas que a gente costumava ter, do seu colo quentinho, de algumas gargalhadas e até de quando você debochava das minhas manias. Quando a saudade apertar, vou lembrar também do quanto me senti pequena e insegura e desajustada diante das suas limitações. Você quer conversar. Quer esperar que a nossa relação morra num leito de UTI, agonizando até o último segundo. Antes que eu passe a te odiar, tenho coragem de desligar os aparelhos. De matar você dentro de mim. Ainda que, por isso, eu morra um pouco também.

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Comentários
  • fraquinho né?

    25 de março de 2015
  • Nossa, Nath….
    Doeu aqui, porque eu mesma já morri por isso um pouco também. Lindo texto. Triste dor.

    Você manda demais. Parabéns. :)

    25 de março de 2015
  • É aquele texto que a gente tem vontade de comentar.
    Que coisa linda e triste, assim como o fim que vivi.

    25 de março de 2015
  • Se inspirou em mim pra escrever esse texto Nath? :( bem, vc conhece minha história, exatamente assim me sinto! Matando um pouco de mim…

    25 de março de 2015
  • Suas palavras doeram nos meus ombros.
    Depois de muitos anos de UTI, a vida a vida foi mais rápida e desligou os aparelhos.

    25 de março de 2015
  • Que textooooo! Reflexivo e bonito como muitos lido aqui, e muitos que li mundo a fora.

    Quantas vezes desligamos em nós mesmos os equipamentos que os mantém respirando um sentimento, uma relação que por uma ou outra razão, as vezes até de forma errada, indevidamente nos vemos forçados a cortar o fio que nos liga a ela. Interromper uma caminhada que iniciou tão promissora.

    Eu também já morri algumas vezes, renasci em outros quadrantes algumas vezes, tentando não me deixar vencer. Como em um indecifrável enigma.

    25 de março de 2015
  • O que dizer de alguém que tem tanta habilidade com as palavras! Triste, dolorido e lindo! Eterna fã!

    26 de março de 2015
  • Lindo! Realidade entristecedora..

    2 de abril de 2015
  • PA: Nath você é demais!!!

    2 de abril de 2015
  • A morte tem sim o seu perfume! Sou enfermeira e conheço bem o seu odor… Assim como pude ver o vapor de um grande amor se esvaindo vagarosamente! E inevitavelmente, por experiência, fiz uma comparação… Não são raras as vezes que presenciei esta cena à beira do leito de UTI! Um acidente terrível e duas vítimas! A que se recupera melhor vai visitar a outra vítima na UTI, que geralmente está entubada, muito machucada e cheia de dispositivos artificiais para manutenção da vida! Quando a visita chega pela primeira vez, e se depara com àquela triste realidade, as reações primeiras são de desespero, culpa e negação! E nada disso muda o quadro clínico do paciente! Não há melhora! A visita se enche de tanta disposição para mudar aquilo que ela não aceita e se torna incansável em suas tentativas e questionamentos! Com o tempo, esta visitante começa a perceber um triste prognóstico! E passa a não insistir mais! Faz a entrega e começa a aceitar aquilo que não pode mudar! Substitui o desespero por abnegação! É a partir deste momento que o odor tão singular do fim se apresenta! Juntamente com a vida e o amor se volatizando daquele ser! E a morte vem e liberta… Depois da entrega!!! Esta comparação foi crucial para compreender o fim do meu relacionamento! Para aceitar e libertar! E só assim, compreender o que realmente é meu! Um amor incondicional pela vida! E que nunca se desprenderá de mim! Nem mesmo depois da morte!

    2 de maio de 2015
  • Lindo texto… Proprio pro meu momento..mais uma vez! Quantas vzs pensei em desligar os aparelhos…tentei, me arrependi.. Desliguei de novo…e to mal com a escolha, mas sei que é o certo! Complicado!! Teus textos são FODAS!!!!

    22 de maio de 2015
  • “O fim
    Este último sopro que passa frio
    Não tem cheiro de morte
    Tem cheiro de nada
    Você vê só um breve rastro da poeirinha que assenta num alívio de incerteza

    Acabamos por aqui
    Sem mais entrarmos
    Que nossas loucuras existam a sós
    Cada qual no seu canto sombrio, sutil e insano
    Onde não sustentam o que sobra de vida
    Desligam e dormem

    Em nós”

    22 de agosto de 2015
    • Pensei que isto era para escrever conto eróticos mas me enganei.Falar de morte neste site é brincadeira ou são seus amigos.Quero pornografia.

      25 de agosto de 2015

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